Por Roger Cunha
A busca por um futuro melhor, a resiliência diante das dificuldades e a força do empreendedorismo familiar são os ingredientes que moldam a história da Doces da Remédios.
O aroma adocicado vindo da cozinha de Dona Remédios, 59 anos, transcende o sabor. É um símbolo de superação, tradição, afeto e, mais recentemente, de um modelo de negócio que une inovação, sustentabilidade e identidade cultural. Nascida e criada em Piripiri, a 165 km de Teresina, Remédios aprendeu a fazer doces com calda aos 10 anos, sob a orientação da mãe. O que era apenas uma forma de ajudar em casa virou uma marca registrada no município — e agora, um negócio formalizado: o Doces da Remédios.
Criada por Caio Eduardo, estudante da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), campus Prof. Antonio Giovani Alves de Sousa, a marca vem ganhando notoriedade e conquistou o país com sua aparição no programa Mais Você, de Ana Maria Braga.
A empresa familiar surgiu da união entre a sabedoria prática da mãe e a visão empreendedora do filho, Caio, estudante de Letras-Português. Juntos, eles transformaram a cozinha simples da família em uma fábrica artesanal de doces recheados com frutas, como laranja e limão, conhecidos não só pelo sabor, mas também por propriedades terapêuticas — “o doce com coração”, como Caio gosta de dizer.

Aluno Caio Eduardo e sua mãe Remédios, nos estúdios Globo. / Imagem cedida por Caio Eduardo
O desejo de conciliar o trabalho com a criação dos oito filhos fez com que sua mãe escolhesse o caminho do empreendedorismo. “Ela sempre quis ficar perto da gente. Mesmo após o casamento, preferiu trabalhar em casa, vendendo doces”, destaca.
Em 2015, no entanto, um grave acidente interrompeu sua produção. A fratura na clavícula a impossibilitou de continuar o trabalho manualmente, levando-a a vender apenas artefatos para camelôs. Durante anos, os doces ficaram em segundo plano, até que a pandemia trouxe novas necessidades e oportunidades. Foi então que Caio Eduardo enxergou a chance de resgatar o negócio da família. “Eu disse para ela: ‘Mãe, que tal voltarmos a vender seus doces, mas desta vez pela internet?’. Eu só tinha um celular velho, uma bicicleta e um sonho de tornar o trabalho dela reconhecido no Brasil”.
A produção é artesanal, feita sob encomenda, com sabores sazonais, como o de caju com castanha e o de laranja-da-terra. “Nem sempre temos tudo à pronta-entrega, mas fazemos com muito cuidado, respeitando o tempo das frutas e da natureza”, explica Caio.
A sustentabilidade está no centro do negócio: todos os doces são vendidos em potes de vidro retornáveis, com tampa decorada por tecidos de fibras naturais e laços de barbante. Além disso, toda a polpa das frutas é reaproveitada na compostagem orgânica, transformando-se em fertilizante natural — prática que Dona Remédios realiza há décadas, mesmo sem conhecer o conceito técnico. “Minha mãe sempre usou as sobras das frutas como adubo. Ela fazia isso instintivamente, como muitas mulheres do campo. Hoje eu vejo que ela sempre foi sustentável, mesmo sem saber o nome disso”, relata o filho.

Caio Eduardo e Dona Remédios participaram do programa Mais Você da Rede Globo. / Imagem cedida por Caio Eduardo
Sustentabilidade não é apenas uma escolha estratégica na Doces da Remédios — é um valor intrínseco à história da família. Mesmo antes de saber o significado técnico do termo, Dona Remédios já praticava ações sustentáveis. Desde a infância, utilizava a polpa das frutas como adubo natural, num gesto simples e instintivo de respeito à natureza. “A vida toda minha mãe reutilizou as sobras das frutas para fertilizar o solo. Só muitos anos depois eu fui entender que isso era compostagem orgânica”, conta Caio Eduardo. “Ela fez tudo isso sem nunca ter tido acesso à educação formal. E isso me emociona profundamente, porque mostra que a inteligência também se manifesta no cuidado, na sensibilidade e na sabedoria prática”.
Hoje, essa consciência ambiental está presente em todas as etapas da produção. Os doces são artesanais, feitos sob encomenda, com sabores sazonais — como o de caju com castanha e o de laranja-da-terra —, respeitando o tempo da natureza e o ciclo das frutas. “Nem sempre temos tudo à pronta-entrega, mas fazemos com muito cuidado”, reforça Caio.
Os produtos são comercializados em potes de vidro retornáveis, com tampas decoradas por tecidos de fibras naturais e laços de barbante. “Cada detalhe importa. A gente quer que o cliente perceba que o que está levando não é só um doce, mas uma escolha consciente, sustentável e afetiva.” Para Caio, esse cuidado com o meio ambiente é também uma forma de resistência. “Se minha mãe e eu conseguimos manter práticas sustentáveis com tão pouco, imagine o que grandes empresas, com tantos recursos, poderiam fazer. Falta vontade, não possibilidade. Nós somos prova viva de que é possível empreender com responsabilidade ambiental desde o início, mesmo com dificuldades”.

Doces da Remédios // Imagem cedida por Caio Eduardo
A formalização como Microempreendedora Individual (MEI) surgiu de forma inesperada, mas se revelou um marco na consolidação do negócio. Caio Eduardo conta que, ao procurar informações sobre o registro da marca da mãe, encontrou na Sala do Empreendedor um caminho que iria muito além da segurança jurídica. “Na verdade, a gente não planejava registrar como MEI. Eu fui atrás de patentear a marca, mas no cartório não me orientaram. Foi lá na Sala do Empreendedor que uma atendente me explicou que, só de formalizar o negócio como MEI, a gente já teria uma certa proteção do nome. E mais: minha mãe poderia ter direito à aposentadoria pelo INSS. Na condição dela, com seis parafusos na clavícula esquerda e problemas de saúde, isso fez todo sentido”, explica Caio.
Mesmo sem grandes vendas ou equipe, ele acredita que o registro é essencial para quem quer empreender com seriedade. “Hoje eu vejo que foi muito bom ter feito isso. A gente não vende em grandes quantidades, somos só eu e minha mãe, mas acredito que no futuro Deus abrirá sim as portas. E quando isso acontecer, já estaremos com tudo certo.”
A formalização também trouxe mais confiança para lidar com questões legais e abriu caminhos para futuras oportunidades, como acesso a crédito, programas de incentivo e participação em eventos — como o próprio Meu Milhão de Milhares de Negócios, que impulsionou a visibilidade da marca.

Caio Eduardo e Dona Remédios. / Imagem cedida por Caio Eduardo
Os conhecimentos adquiridos no curso de Letras-Português vêm contribuindo significativamente para o seu trabalho. Ele destaca a importância da comunicação eficaz no empreendedorismo e como sua formação acadêmica tem sido uma ferramenta valiosa nesse aspecto. “Empreender exige uma boa oratória. Aprendi que, em alguns momentos, precisamos nos despir da linguagem acadêmica, mas, em outros, a comunicação persuasiva é essencial. Meu contato com a literatura e com a análise de textos aprimorou minha forma de me expressar, e isso reflete diretamente nas redes sociais da empresa.”
Mesmo com as dificuldades, Caio transforma sua vivência em reflexão crítica. Ele escreve sobre empreendedorismo e desigualdade social a partir da própria experiência. “O povo pobre trabalha para sobreviver, não para progredir. E o empreendedorismo pode ser uma saída, mas precisa de apoio e políticas públicas que valorizem quem está começando.”
Além de comunicar, ele também inspira. Caio já foi convidado a ministrar uma palestra sobre sustentabilidade e empreendedorismo em uma faculdade local, mostrando como é possível adotar práticas ecológicas mesmo com recursos limitados. “Se nós conseguimos, mesmo com todas as dificuldades, as grandes empresas não têm desculpa para não cuidar do meio ambiente”.

Dona Remédios no Programa Mais Você da Rede Globo. / Imagem cedida por Caio Eduardo
A gravação foi um momento marcante para a família. “A equipe da Rede Clube veio à nossa casa, passou o dia gravando e destacou a sustentabilidade do nosso delivery com potes de vidro retornáveis. Foi emocionante”
Pouco tempo depois, a marca também ganhou projeção nacional ao aparecer no programa Mais Você da TV Globo. A repercussão foi imediata, ampliando o número de seguidores nas redes sociais e impulsionando as encomendas. “Depois que passamos na Globo, até perfil falso fizeram se passando por nós”, comenta Caio. “É assustador, mas também mostra o impacto positivo que o reconhecimento pode ter para um pequeno negócio como o nosso.”

Doces da Remédios / Imagem cedida por Caio Eduardo
As redes sociais da Doces da Remédios — Instagram, Facebook, TikTok e WhatsApp Business — tornaram-se os principais canais de venda e comunicação com os clientes. O modelo de negócio é baseado em produção artesanal sob demanda, com alguns sabores disponíveis à pronta-entrega. O delivery funciona localmente em Piripiri-PI, mas o alcance da marca já ultrapassou fronteiras. “Recebemos mais de 500 mensagens de pessoas interessadas nos nossos produtos. Como atender a tanta gente? Minha mãe não sabe ler e eu gerencio tudo sozinho. É um desafio enorme, mas minha fé é grande e sei que vamos superar.”

Produção dos doces da Remédios. / Imagem cedida por Caio Eduardo
Dona Remédios completa 60 anos no dia 23 de abril. Ainda hoje não sabe ler, mas impressiona pela inteligência prática, criatividade e sensibilidade que moldaram sua trajetória. “Ela é mais sábia do que muita gente com diploma. Cria doces únicos em sete dias. Isso é arte”, diz Caio, com orgulho nos olhos. Para o futuro, ele sonha alto, sem perder os pés no chão. “Quem sabe um dia eu não faço jornalismo? Sempre gostei de comunicação e admiro muito essa área. A UESPI me abriu portas e continua sendo essencial na minha jornada.”
A história da Doces da Remédios é mais do que uma jornada empreendedora. É um exemplo de como conhecimento empírico, afeto familiar e consciência ambiental podem gerar impacto real, mesmo diante de limitações financeiras e sociais. De uma cozinha simples em Piripiri aos holofotes da TV, a marca simboliza a força da inovação que nasce nas periferias — com sabor, identidade e propósito.
Para acompanhar essa doce transformação e conhecer os produtos, siga no Instagram: @docesdaremedios