Por Roger Cunha
A literatura afro-brasileira tem desempenhado um papel central na formação acadêmica de estudantes da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), especialmente por meio do projeto “A Relevância da Literatura Afro-Brasileira na Formação Acadêmica dos Estudantes da UESPI/Floriano”. Coordenado pelo professor e sociólogo Robison Pereira, o projeto vem promovendo reflexões críticas sobre questões raciais e sociais, além de incentivar a produção acadêmica dos alunos.
Como parte das atividades, estudantes dos cursos de Pedagogia, História e Direito participaram do II evento “Quais as histórias conhecemos da África: Literatura e Arte”, promovido pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Durante o evento, o grupo apresentou comunicações orais e compartilhou os resultados preliminares de suas pesquisas, consolidando o impacto das obras literárias abordadas no projeto.
As leituras de obras como Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, e A Cor Púrpura, de Alice Walker, foram fundamentais para ampliar os horizontes culturais dos estudantes e estimular debates sobre desigualdade, resistência e identidade. Com base nessas leituras, os alunos produziram artigos como:
- “Racismo, Escravidão e Feminismo em ‘Úrsula’: Lições para o Século XXI”
- “Esta Terra Mora em Mim: Tensões Sociais no Campo em ‘Torto Arado'”
- “Racismo e Sexismo nas Epístolas de ‘A Cor Púrpura'”.
Esses trabalhos foram apresentados no evento da UFPI, com destaque para a profundidade das análises e a conexão entre as obras literárias e a realidade brasileira.
Segundo o professor Robison Pereira, o projeto tem demonstrado como a literatura afro-brasileira enriquece o ambiente acadêmico e contribui para a formação de estudantes mais conscientes e engajados. “A representatividade de negros e mulheres como monumentos sócio-históricos é uma urgência. Trazer essas obras para a sala de aula é uma forma de recontar histórias e construir um ambiente educacional mais inclusivo e pluralista”, destacou ele durante sua palestra no evento.
O docente também aponta que a literatura afro-brasileira tem relevância significativa para o currículo acadêmico. “São obras que estimulam a crítica social e auxilia no enfrentamento do apagamento histórico das contribuições de povos negros e indígenas para a cultura brasileira. Essa abordagem pode favorecer a formação de cidadãos críticos, aptos a refletir sobre a sociedade e atuar em sua transformação”, pontua.
Os estudantes também relataram os impactos significativos do projeto em suas trajetórias acadêmicas e pessoais. Para eles, a oportunidade de apresentar artigos em um evento de relevância como o da UFPI foi transformadora, ampliando sua percepção sobre o papel da literatura na luta contra o racismo estrutural.
Além disso, o projeto prevê a publicação dos artigos sobre Torto Arado e A Cor Púrpura em formato de livro, reforçando seu compromisso com a valorização da literatura afrodescendente.
Com planos de continuidade para o próximo ano, o projeto promete consolidar ainda mais sua atuação na formação de cidadãos críticos e engajados na promoção da igualdade social. “É um trabalho que vai além da sala de aula. Ele forma indivíduos capazes de questionar, resistir e transformar a sociedade”, concluiu Robison.
O aluno Emerson Silva, que faz parte do projeto “A Relevância da Literatura Afro-Brasileira na Formação Acadêmica dos Estudantes da UESPI/Floriano”, falou sobre a importância de iniciativas como essa para o debate e a inclusão de temas cruciais na sociedade acadêmica e no cenário geral. Em sua experiência no Ensino Fundamental e Médio, ele nunca teve a oportunidade de trabalhar com obras literárias afro-brasileiras, sendo sempre exposto a textos de autores europeus ou a obras brasileiras inspiradas na cultura europeia. Em entrevista, Emerson afirmou: “Assim, podendo conhecer agora um pouco mais da literatura afro-brasileira, percebo o quanto da nossa história foi invisibilizada e identifico a suma importância de se abordar a história sob o ângulo de autores africanos ou histórias ‘realmente brasileiras’, sob o ângulo do sujeito escravo e da cultura africana.”
Ele também compartilhou como essas leituras impactaram profundamente sua visão sobre questões raciais e sociais. “Esses livros ajudam a desmistificar a visão romancista e idealizada das literaturas brasileiras, uma visão muitas vezes imposta pelo ensino regular, que enfatiza ‘a vida perfeita cheia de imperfeições da menina apaixonada e seu mancebo’, enquanto invisibiliza personagens fundamentais como a doméstica ou o vaqueiro, figuras que, na realidade, eram escravizadas”, destaca o discente.
Emerson Silva compartilhou como o projeto contribuiu significativamente para sua formação acadêmica e pessoal, promovendo uma visão crítica sobre a história do Brasil. Segundo ele, o projeto o ajudou a desenvolver uma compreensão mais profunda e não apenas analítica dos eventos históricos, principalmente no que diz respeito à maneira como os acontecimentos passados moldaram as estruturas sociais do país. “Eu percebo agora que, devido ao preconceito e à indiferença do passado, o racismo foi criado e se estruturou de uma maneira descomunal, e esse racismo persiste até hoje, de forma estrutural”, afirmou Emerson. Ele destacou que a reflexão proporcionada pelo projeto revelou como as marcas do racismo ainda influenciam a sociedade brasileira contemporânea e como esse problema continuará a afetar o país por muito tempo, devido à acomodação de uma parcela da população.