Por Roger Cunha
No dia 20 de novembro, o Brasil celebra o Dia Nacional da Consciência Negra, uma data de reflexão sobre a luta contra o racismo, a valorização da cultura afro-brasileira e a promoção da igualdade racial. Na Universidade Estadual do Piauí (UESPI), a data é marcada por ações e debates que destacam a importância da diversidade racial no ambiente acadêmico e as contribuições da população negra para a formação cultural do país.
Um dos grandes destaques dessa celebração na UESPI é o trabalho do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro (NEPA), que tem se consolidado como um espaço fundamental para a promoção e defesa da pesquisa acadêmico-científica, com foco nas temáticas afro-brasileiras e afrodescendentes. O núcleo tem sido um catalisador para o desenvolvimento de estudos que abordam afrodescendência, literatura afro-brasileira, africanidades e diáspora negra, temas centrais tanto na academia quanto no contexto social. O NEPA vem ganhando destaque não apenas pela sua contribuição à produção de conhecimento, mas também por sua atuação no fortalecimento da presença de estudantes e pesquisadores negros na UESPI. Ao oferecer suporte e promover a visibilidade de estudos afro-brasileiros, o núcleo se tornou um pilar essencial para a construção de uma educação mais inclusiva e representativa na universidade.
O professor Feliciano José Bezerra, coordenador do NEPA, ressalta a relevância do Dia Nacional da Consciência Negra como uma data “importante para todos os segmentos da vida cidadã brasileira, principalmente onde o corpo negro esteja presente”. Ele sublinha que, no contexto da educação superior, “não poderia ser diferente”, pois é o espaço “por excelência, de formação, aprendizado, pesquisa e reflexão”. Ao abordar a urgência de lembrar e celebrar o 20 de novembro, Feliciano destaca que a data promove o entendimento histórico das “lutas por emancipação da comunidade negra e da importância de Zumbi dos Palmares”. Ele aponta ainda que essa reflexão deve funcionar como “um contraponto, com mais envolvimento crítico e participativo, à data oficial da abolição da escravidão no Brasil em 13 de maio”. O professor afirma que “a UESPI não pode ficar de fora deste signo de luta, da reflexão e de denúncia às assimetrias raciais, ao avanço contra as atrocidades do racismo, contra o silenciamento das vozes e histórias negras”. Essas colocações reforçam o papel da universidade como promotora da igualdade racial e de uma formação cidadã crítica.
O coordenador destaca o impacto significativo do NEPA na UESPI e na formação de novos pesquisadores negros. Segundo ele, o NEPA “tem sido referência forte e atuante na formação de novos pesquisadores e de profissionais de ensino”, com uma atuação que engloba pesquisas em graduação, especialização e pós-graduação. Essas investigações abordam temas focados na produção afro-brasileira, abrangendo “os campos da literatura, da história, da cultura e das variantes sociológicas e antropológicas em torno das subjetividades e práticas étnicas brasileiras”. O impacto do núcleo é evidenciado pelos “resultados alcançados, tanto pelo número de novos pesquisadores e profissionais que se habilitaram nesse campo, como da comunidade acadêmica brasileira”. Além disso, Feliciano ressalta a importância do evento organizado pelo NEPA, o África-Brasil, um “grande Congresso Internacional de Literaturas, Histórias e Culturas Afro-brasileiras e Africanas”, que ocorre a cada dois anos e já está em sua oitava edição, prevista para 2025.
O professor Feliciano José Bezerra enfatiza que as temáticas de literatura afro-brasileira, africanidades e diáspora negra são centrais à existência do NEPA, sendo abordadas “de forma aguda e diligenciadas para o maior aproveitamento possível de materiais de pesquisa e levantamento analítico”. Ele destaca que todo esse trabalho é realizado com foco na formação de pesquisadores(as) e no fortalecimento do debate acadêmico sobre o universo da cultura negra. As pesquisas conduzidas no NEPA se moldam conforme “as propostas recebidas”, sendo ajustadas para se alinhar às linhas de pesquisa do núcleo, sem impedir a inclusão de novas ideias que possam ser contempladas. Essa flexibilidade permite abarcar uma variedade de abordagens, ampliando o alcance das discussões.
A contribuição do NEPA é vasta e abrange várias frentes acadêmicas e sociais. Feliciano salienta o impacto do mestrado acadêmico em Letras da UESPI, que tem colaborado para a formação de novos docentes, além de ações voltadas à comunidade, como cursos de extensão, especializações e encontros temáticos. Um exemplo significativo é a futura oferta, em 2025, do “Curso de Especialização em Literaturas, Histórias de Culturas Afro-brasileiras, Africanas e Indígenas”, destinado a docentes da rede estadual de ensino do Piauí, fruto de uma parceria com a SEDUC-PI. O professor Feliciano José Bezerra destaca que as pesquisas sobre afrodescendência são fundamentais para a compreensão da identidade brasileira, pois ajudam a “reconhecer a herança fundamental da cultura negra”. Ele defende que esses estudos têm o potencial de desconstruir os “insistentes e insidiosos condicionantes étnicos” que perpetuam desigualdades no Brasil, promovendo uma ocupação mais ampla e inclusiva dos espaços sociais e acadêmicos. Essas pesquisas não apenas ampliam a produção de conhecimento, mas também fomentam a criação de “novas narrativas, novos saberes”, desafiando o pensamento hegemônico e promovendo uma verdadeira pluralidade. Feliciano enfatiza a urgência de tais iniciativas na construção de uma “sociedade fraterna e igualitária”, que valorize a diversidade cultural e elimine as barreiras impostas pelo racismo estrutural.
O professor Feliciano José Bezerra enfatiza que a valorização da cultura afro-brasileira na academia não é apenas importante, mas inerente à missão universitária: “A universidade tem sua fundamentação existencial justamente na ideia de pluralidade e abrangência científica e de formação cidadã, de contemplar todos os segmentos.” Ele, no entanto, reconhece que a realidade ainda está distante dessa pluralidade ideal, já que “sua atual configuração ainda não está de acordo com a distribuição étnica da população brasileira.” Para enfrentar esse desafio, Feliciano reforça o compromisso do NEPA, que “está empenhado neste desafio, conduzindo nossas pesquisas e intervenções na perspectiva emancipadora de um letramento racial amplo e de uma maior conscientização junto aos docentes e discentes da UESPI.” Esse trabalho é crucial para fortalecer a identidade de estudantes e professores negros(as), além de impulsionar o papel transformador da universidade no combate às desigualdades raciais. Ele também destaca que o fortalecimento das identidades raciais e culturais está diretamente ligado à promoção da diversidade pela universidade, pois “é preciso que a universidade assuma o papel ao qual é destinado, de promover a diversidade”, ampliando o alcance de ações inclusivas que contemplem todos os grupos sociais.
Além disso, a UESPI também se destaca por outras ações relacionadas à cultura afro-brasileira, como o trabalho realizado pelo Grupo Esperança Garcia (GEPEG), coordenado pelo professor Elvis Gomes Marques Filho. Este grupo tem desempenhado um papel fundamental na pesquisa acadêmica e na reflexão sobre os Direitos Humanos. Vinculado ao campus de Picos, o GEPEG criou a Revista Esperança Garcia, um periódico interdisciplinar que foca na promoção dos direitos humanos, desenvolvido pela equipe editorial e pelos membros do grupo.
Com sua proposta de disseminação do conhecimento sobre os direitos humanos, o GEPEG demonstra como a academia pode ser um motor de transformação social, promovendo discussões sobre a realidade das populações negras e incentivando a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A revista complementa os esforços da universidade para ampliar o diálogo sobre questões raciais e colaborar na formação de uma consciência crítica entre estudantes e membros da comunidade acadêmica.
Tanto a Revista Esperança Garcia quanto as iniciativas do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiras (NEPA) evidenciam o empenho da UESPI em criar um ambiente acadêmico mais inclusivo e comprometido com a valorização das culturas afro-brasileiras. Alinhadas à celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, essas ações reforçam o papel da universidade como um espaço de resistência, promoção da diversidade e reconhecimento da história e cultura negra.
O professor Elvis Gomes Marques Filho explica que a criação do Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensões Esperança Garcia (GEPEG) foi motivada por seu primeiro contato com a história de Esperança Garcia em 2017, durante uma especialização em Direitos Humanos. “Fiquei profundamente impactado ao conhecer a trajetória dessa mulher escravizada que, no século XVIII, utilizou o poder da escrita para denunciar os maus-tratos sofridos por ela e sua comunidade no Piaui”. Para o professor, o ato de Esperança Garcia, realizado em um contexto de silenciamento absoluto, destaca-se como “um símbolo do direito de petição”, marcando sua relevância histórica e cultural.
Além disso, Elvis destaca o reconhecimento do legado de Esperança Garcia pelo Conselho Federal da OAB, que a homenageou como “a primeira advogada brasileira”. Inspirado por essa história de resistência e luta por justiça, o professor fundou, em 2020, o GEPEG, registrado oficialmente na UESPI e no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Ele reforça que o grupo não apenas presta homenagem a Esperança Garcia, mas também fortalece o compromisso da UESPI com a valorização e promoção da cultura afro-brasileira, conectando pesquisas, estudos e ações de extensão ao legado dessa figura histórica.
O professor destaca que o GEPEG tem desempenhado um papel crucial na reflexão sobre a luta contra o racismo e a promoção dos direitos humanos dentro da UESPI. Ele afirma: “O GEPEG tem como um de seus pilares a valorização da cultura afro-brasileira, promovendo ações concretas para evidenciar as contribuições e desafios enfrentados pela população negra no Brasil, especialmente no Piauí”.
Uma das estratégias do grupo para fomentar a diversidade étnico-racial é a priorização de pesquisadores negros ou comprometidos com os direitos étnico-raciais, criando um espaço de diálogo inclusivo e representativo. Sobre essa prática, Elvis acrescenta: “Priorizamos, em nossas seleções, pesquisadores que sejam pessoas negras ou que tenham um compromisso ativo com os direitos étnico-raciais, o que possibilita uma diversidade de experiências e perspectivas no grupo”.
Essas perspectivas enriquecem as ações do GEPEG, que vão desde “rodas de conversa, congressos, reuniões acadêmicas” até “publicações em periódicos qualificados”. Essas iniciativas permitem não apenas o debate sobre questões raciais e os direitos humanos, mas também fortalecem a presença e a voz de grupos historicamente marginalizados no ambiente acadêmico, promovendo uma transformação efetiva na universidade e na sociedade.
O professor Elvis Gomes Marques Filho destaca que, no Dia Nacional da Consciência Negra, o GEPEG intensifica suas atividades voltadas para a promoção da educação e da pesquisa sobre as questões raciais. Ele explica: “Nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, abordamos temas que impactam diretamente os direitos humanos da população negra, como políticas de ações afirmativas no ensino superior, as condições de encarceramento de pessoas negras, a marginalização de sujeitos negros periféricos e a intolerância contra religiões de matriz africana”.
Esses temas são explorados de maneira abrangente e aprofundada, refletindo as questões que afetam diretamente a população negra, não apenas no contexto acadêmico, mas também na sociedade. Para o professor, os debates promovidos pelo GEPEG são “construídos em diálogo com os membros do grupo e com ativistas da comunidade piauiense”, estabelecendo uma rede de colaboração e compromisso com a transformação social e a promoção de uma sociedade mais justa e igualitária.
A Revista Esperança Garcia, lançada em 2024, desempenha um papel crucial no fortalecimento dos estudos sobre afrodescendência, africanidades e diáspora negra, tanto no âmbito acadêmico da UESPI quanto para o público externo. Como um periódico acadêmico, ele se alinha às linhas de pesquisa do Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensões Esperança Garcia (GEPEG), com ênfase em Constitucionalismo, Democracia e Garantias de Direitos Fundamentais de Grupos Vulneráveis, e tem como missão promover a divulgação de trabalhos focados nos Direitos Humanos e em pesquisas interdisciplinares com abordagens críticas.
O professor Elvis Gomes Marques Filho, coordenador do GEPEG, destaca que a revista serve como “um espaço acadêmico comprometido com o fortalecimento dos estudos sobre afrodescendência, africanidades e diáspora negra”. Um exemplo significativo é o artigo publicado em sua primeira edição, “Estética Negra: Discussões Envolvendo Discriminações, Exclusões e Estratégias de Enfrentamento ao Racismo,” que traz reflexões sobre as estratégias de resistência ao racismo a partir da perspectiva de uma discente e uma docente do curso de Psicologia da UESPI.
Além de publicar artigos, a revista promove “uma visão antirracista entre os estudantes” e se empenha em ampliar o acesso ao conhecimento sobre questões étnico-raciais. Como observa o professor, a revista “reforça o compromisso da UESPI com uma educação antirracista que extrapola o ambiente da sala de aula.” Ao dar visibilidade às pesquisas sobre a população negra e ao promover discussões sobre o enfrentamento ao racismo estrutural, o periódico se torna um “veículo estratégico” para o fortalecimento das questões raciais na academia e para a transformação social.
Com isso, a Revista Esperança Garcia não apenas difunde as produções acadêmicas, mas também se posiciona como uma plataforma de impacto social, ampliando a valorização e o reconhecimento das contribuições da população negra, especialmente no contexto do Piauí.
A atuação do GEPEG tem sido fundamental para o protagonismo da população negra na universidade, ao fomentar debates que questionam as estruturas de poder e as narrativas que perpetuam desigualdades. O grupo busca, assim, transformar o ambiente acadêmico, criando um espaço mais equitativo e inclusivo para todos. Por meio de publicações científicas que abordam temas como violência racial, racismo ambiental, intolerância religiosa e direitos humanos, o GEPEG contribui para a formação de uma comunidade acadêmica mais consciente e comprometida com a promoção da justiça social.
Dentre os principais destaques estão artigos como “Discursos Racistas na Mídia e a Representatividade da Mulher Negra na Política,” publicado na revista Argumenta (2024), e “A Urgência da Prática Educacional Antirracista,” que reflete sobre a necessidade de ações pedagógicas de combate ao racismo no ambiente educacional. Além disso, o GEPEG teve um papel ativo no Programa Bolsa Extensão Universitária (PIBEU) em 2023, com a realização de eventos como “Lá na Encruza: Retratos da Umbanda Picoense,” que discutiu a intolerância religiosa e a discriminação contra religiões de matrizes africanas, resultando também na publicação do livro “A Liberdade de Crença e a Intolerância Religiosa,” lançado pela editora da UESPI.
Essas iniciativas contribuem para uma análise aprofundada das implicações sociojurídicas do racismo, especialmente no contexto de intolerância religiosa, e promovem uma reflexão crítica sobre os direitos humanos. O GEPEG, ao adotar uma postura antirracista, está não apenas desafiando as violências históricas contra a população negra, mas também criando novas possibilidades para a transformação social. Essas ações ampliam a conscientização sobre a urgência de uma abordagem antirracista e ajudam a formar uma sociedade mais
Esses esforços acadêmicos da UESPI, aliados ao fortalecimento das identidades afro-brasileiras e à promoção de um espaço universitário mais inclusivo, têm um impacto direto na criação de uma sociedade mais equitativa, desafiando as desigualdades e buscando a verdadeira transformação social. No Dia Nacional da Consciência Negra, ações como essas se tornam fundamentais não apenas para homenagear o passado, mas para construir um futuro onde a diversidade racial e cultural seja verdadeiramente valorizada e respeitada.
In Memoriam: Elio Ferreira – O Legado de um Poeta, Educador e Líder Afro-Brasileiro na UESPI
No Dia Nacional da Consciência Negra, a Universidade Estadual do Piauí (UESPI) presta uma homenagem a Elio Ferreira, professor, poeta e líder cultural, que deixou um legado imortal para a comunidade acadêmica e para a sociedade piauiense. Elio, que faleceu em 11 de abril de 2024, dedicou sua vida ao ensino, à pesquisa e à promoção da cultura afro-brasileira, sendo uma referência para todos que compõem a UESPI e a sociedade.
Professor decano do Curso de Letras no Campus Poeta Torquato Neto, Elio Ferreira foi muito mais do que um educador; foi um defensor incansável da valorização da história e da cultura negra. Idealizador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro – NEPA, na UESPI, Elio ajudou a construir um espaço acadêmico fundamental para a pesquisa e a reflexão sobre as questões raciais e os direitos das populações negras no Piauí. O NEPA, que ele definia como uma proposta de combate ao racismo, tornou-se um marco na Universidade, com sua atuação voltada para a promoção de pesquisadores negros e negras e para o aprofundamento dos estudos sobre a diáspora africana e a luta pela igualdade.
Sua contribuição para a UESPI vai além do ensino e da pesquisa. Elio Ferreira foi um curador importante do Projeto Roda de Poesia & Tambores, onde reuniu música e poesia para divulgar e celebrar a produção literária piauiense, dando voz a novos autores e reafirmando o papel da literatura como instrumento de resistência. Ele também foi um dos principais nomes na luta pela valorização da literatura afro-brasileira, com obras que combinam a poesia com a crítica social e racial, como Canto sem viola (1982), Poemartelos (1986), e América Negra (2004).
Além disso, Elio Ferreira foi um exemplo de dedicação ao ensino e à pesquisa, conquistando, com sua tese sobre “Poesia negra das Américas“, o título de Doutor em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco. Seu trabalho acadêmico e suas publicações enriqueceram o campo da literatura e cultura afro-brasileiras, tornando-o uma referência essencial para os estudos sobre a identidade negra no Brasil.
A UESPI, ao relembrar o legado de Elio Ferreira neste Dia Nacional da Consciência Negra, reafirma seu compromisso com a promoção da igualdade racial, da diversidade e da valorização da cultura afro-brasileira. O impacto de Elio Ferreira na formação de novos intelectuais e na construção de um pensamento crítico sobre as questões raciais e sociais será sempre uma inspiração para a comunidade acadêmica da UESPI.
Neste momento de homenagem, lembramos de suas palavras: “Escrever é uma maneira de falar para o mundo, contar a história dos meus antepassados negros e a minha própria história, influindo e participando na transformação da sociedade através da denúncia contra as violências racial e social.” O exemplo de Elio Ferreira nos desafia a continuar a luta por um mundo mais justo e igualitário, e sua memória continuará viva na UESPI e na história do Piauí.