Por Vitor Gaspar
Celebrando o Mês do Dia Internacional da Mulher, a Universidade Estadual do Piauí (UESPI), por meio da campanha da Assessoria de Comunicação intitulada de Vozes Plurais: Mulheres na UESPI, entrevistou a Professora Sônia Carvalho, uma docente destacada na convergência entre a Comunicação e a Ciência.
A professora fala de sua trajetória como pesquisadora e aparece como uma voz proeminente na promoção da presença feminina na pesquisa científica.
Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), ela tem experiência, desde 1997, no mercado de comunicação, com passagens por jornais impressos nos estados do Piauí, São Paulo e Pernambuco e possui especializações em Comunicação Institucional e Linguagens, mestrado em História do Brasil pela UFPI e é doutoranda no Programa de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Desde 2003, integra o corpo docente da UESPI, tendo atuação em Comunicação Organizacional, Assessoria de comunicação, além de participação em colegiados e órgãos administrativos da UESPI. Atualmente, é Chefe de Gabinete da Reitoria da UESPI e como docente do curso de Jornalismo está, frequentemente, com orientandos em pesquisas de iniciação científica, além de estar com a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para os atuais alunos do 8º bloco.
De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, as mulheres já representam 43,7% das pesquisadoras no Brasil. Essa proporção coloca o país a frente de algumas nações como Estados Unidos e França. Segundo especialistas, até o final da década, as mulheres já devem ser maioria nos campos de pesquisa das universidades. Ao abordar essa questão, a Professora Sônia trouxe sua perspectiva, experiências próprias e projeções de cenários para o futuro. Nesta entrevista especial, ela fala sobre suas reflexões sobre o papel das mulheres na ciência, os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas.
ASCOM: Como você percebe a evolução desse cenário ao longo das décadas e qual é o papel da educação básica na promoção da participação feminina na ciência?
Profa. Sônia Carvalho: Bom, eu acho que a gente deve começar fazendo uma reflexão em torno da dificuldade que foi o acesso, primeiro, à educação de tantas e tantas meninas no Brasil do início do século passado para cá. Então, nós vamos encontrar, principalmente na nossa região, no Nordeste, muita dificuldade de se socialmente considerar o espaço da sala de aula como um espaço feminino. E digo isso porque a ciência começa daí. Começa de uma educação básica. A gente não pode fazer essa desvinculação.
ASCOM: Considerando os desafios enfrentados, historicamente, como essas experiências moldaram não apenas a formação acadêmica como também a identidade das mulheres cientistas na sociedade?
Profa. Sônia Carvalho: Tudo fez parte de um processo histórico de conquista de espaços. E não só o espaço das universidades, mas o espaço do espaço urbano. De poder trafegar da sua casa até uma universidade. Tudo isso a gente viu, por exemplo, nos anos 50, 60, 70 aqui no Piauí, de onde é o meu lugar de fala. Então, eu posso te dizer que a conquista de um banco universitário também significava uma conquista de um espaço social. De poder se deslocar num horário em que a faculdade funcionava para poder se formar. Então, essas mulheres cientistas nasceram dessas lutas, que foi chegar, buscar o seu espaço. Mostrar junto com os meninos com as quais elas dividiam o banco, desde o ensino fundamental nessas escolas mistas, que é um fenômeno relativamente recente do ponto de vista histórico na nossa sociedade.
ASCOM: E muitas vezes, as mulheres desempenham outras funções que dificultam uma dedicação maior aos estudos, certo?
Profa. Sônia Carvalho: Com certeza. Podemos falar do trabalho doméstico, do trabalho com os filhos, que muitas vezes torna a cientista uma pessoa com receio de dar mais atenção ao seu trabalho do que dar atenção aos seus filhos, à sua família, à sua casa, enfim… Então, pensar na mulher como uma cientista é pensar nessa mulher que hoje está conseguindo conquistar um respeito social e isso vai muito além dos números. Não fala só de que somos mais, mas de que somos conquistadoras do respeito de estar dentro de uma universidade, de centros de pesquisa nas mais diversas áreas, desenvolvendo trabalhos que são voltados para o bem social, que são voltados para a melhoria da nossa sociedade. Hoje, a plataforma Lattes, que é aquela ferramenta que nós usamos para colocar nossos currículos, abre espaço para nossa colocação de maternidade, para o reconhecimento da mulher que é mãe e que também produz ciência e que também está ali contribuindo para o bem da sociedade em diversas áreas como Medicina, Enfermagem, Jornalismo, Publicidade, Administração e tantas outras.
ASCOM: Projetos de iniciação científica e outros que promovem essa parte da pesquisa nas instituições de ensino são bem importantes para o ingresso das estudantes nesse mundo da ciência. Como você ver a importância deles?
Profa. Sônia Carvalho: Esses programas ajudam muito as novas estudantes para sejam protagonistas da construção da Ciência. Eu sinto que na universidade, ao se estimular esse processo e também projetos que estudem a história feminina, podem levá-las a entender a responsabilidade que elas têm de desenvolver esse mundo através da ciência.
ASCOM: Agora entrando em uma questão um pouco mais pessoal, você já sentiu durante a sua trajetória, em algum momento a possibilidade de desistir de tudo, houve algum fator que lhe trouxe esse pensamento?
Profa. Sônia Carvalho: Às vezes, nos sentimos desanimadas em um país que parece não dar a devida atenção e incentivo à Ciência e às mulheres que a praticam. No entanto, essas situações nunca me levaram a pensar sobre desistir, pelo contrário, me estimularam a buscar maneiras de transformar a realidade. Dentro de uma universidade pública, o que eu poderia fazer? Essa questão é crucial em um país como o nosso. Como posso contribuir para incentivar novas meninas e jovens a trilharem o caminho da ciência como meio de transformação social? Apesar das vezes em que me desanimei diante da escassez de recursos ou do cenário nacional pouco propício, nunca considerei a possibilidade de desistir. Pelo contrário, sempre mantive a ideia de resistir e buscar formas de motivar outras mulheres a permanecerem nesse percurso em busca da ciência como instrumento de transformação social.
ASCOM: O que lhe motiva até hoje a continuar pesquisando e seguir no campo científico?
Profa. Sônia Carvalho: Tem algo bem específico que me motiva, que me faz ter vontade de seguir em frente. Nós temos dentro da universidade um programa de iniciação científica e me emociona muito quando uma menina, em especial uma jovem, ela chega e diz: “Professora, eu gostaria de aprender a pesquisar, eu queria um dia ser uma produtora de conhecimento, participar da grande roda de produção científica que acontece hoje, a senhora poderia me orientar, ou então me dizer por onde a gente começa”. Então, esse desejo, despertado em tantas outras alunas, me faz me sentir muito estimulada permanecer nesse caminho que eu estou hoje. E assim, fazer com que outras e outras meninas sintam prazer também.
ASCOM: Independente do cenário, sabemos que o caminho científico não é fácil. Pela sua experiência, quais dicas são importantes e necessárias para motivar a estudante a seguir em frente?
Profa. Sônia Carvalho: O cenário acadêmico, o cenário científico no país inteiro, ele não é fácil, nos falta até mesmo dentro do ensino fundamental a cultura de produzir ciência. Acho que há muito a ser mudado ainda para que a gente tenha um país que valorize de fato a produção científica. Pela minha experiência, que dicas importantes e que eu acho necessárias para motivar um estudante a seguir em frente? Busque dentro da universidade todos os caminhos possíveis e que estão abertos ou que podem ser desbravados para a produção científica. Busque programas de iniciação científica. Busque concursos. Se torne um leitor que critica, que pensa, que dialoga com esses autores e que se sente e participe disso. Você não é um praticante de ciência só quando você escreve, mas quando você dialoga com quem está fazendo ciência. Esse é um caminho importante. São essas as dicas. Se eu for deixar alguma dica, se sinta pertencente ao mundo da ciência à medida que você lê e que você também produz ciência, tá bom?
ASCOM: Agora esse é o momento para que deixe uma mensagem especial dedicada ao mês da mulher, o mês de março.
Profa. Sônia Carvalho: No mês de março a gente sabe que tem o dia 8, que é super importante, significativo do ponto de vista até internacional, mas eu queria deixar aqui a minha mensagem de lembrança de que somos mulheres durante todos os meses do ano. Passamos pelos ciclos de donas de casa, de mães, ou mesmo não sendo mães, mas temos aquela cultura pelo menos no Brasil de que uma mulher importante ela é sempre multitarefas, enfim, coisas que há estereótipos que ainda precisamos quebrar bastante. Precisamos lutar muito para que essas mulheres que hoje produzem ciência ou que não produzem ciência tenham a oportunidade de serem quem elas quiserem ser, de avançarem no mundo do mercado, avançarem no mundo doméstico, avançarem no mundo da ciência, difundirem os seus lugares de fala, contarem sobre suas dores, dos seus direitos, falarem de seus pensamentos, falarem daquilo que não querem ser, falarem daquilo que não admitem ser.