Por: Lucas Ruthênio
O Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura (PPGSC) realizou, na última segunda-feira (1º), no Auditório do Palácio do Pirajá, o evento “Diálogos Interdisciplinares: Epistemologias Andinas”, um encontro que marcou mais um passo do programa no fortalecimento de perspectivas pluriepistêmicas e no aprofundamento das discussões sobre conhecimentos produzidos por povos tradicionais da América Latina.
O evento teve como convidado central o professor boliviano Dr. Roger Mayta, pesquisador reconhecido internacionalmente por sua atuação na defesa dos direitos dos povos originários, pelas análises sobre justiça climática e por contribuições teóricas às epistemologias não hegemônicas. A atividade integrou a disciplina Estudos em Pesquisa Interdisciplinar, ministrada pela Profa. Dra. Lucineide Barros, em parceria com os professores Robson e Alcebíades, e se insere no conjunto de iniciativas do PPGSC voltadas ao diálogo internacional e à valorização de saberes marginalizados.
O evento “Diálogos Interdisciplinares: Epistemologias Andinas” reuniu pesquisadores, estudantes e representantes de comunidades tradicionais para discutir a importância dos conhecimentos ancestrais na formulação de políticas e na compreensão dos desafios socioambientais contemporâneos.
- Debate aborda epistemologias e crise climática
Durante sua exposição, o prof. Dr. Roger Mayta destacou como a crise climática reposicionou os povos indígenas no centro do debate internacional sobre meio ambiente e justiça socioambiental. Segundo o pesquisador, a visibilidade atual é consequência direta das desigualdades provocadas por um modelo econômico que pressiona territórios e modos de vida tradicionais. “Hoje, pela crise climática que toda a região está sofrendo, a visibilidade é maior justamente porque somos povos indígenas mais afetados. São nossos territórios que estão sofrendo as maiores consequências do capitalismo, desse sistema de vida consumista”, afirmou. Para o docente, essa centralidade não surge de uma concessão institucional, mas da resistência contínua. “A visibilidade vem da luta pela defesa dos territórios”.
Ao comparar o cenário atual com décadas anteriores, o professor explicou que houve uma mudança no eixo político das mobilizações indígenas. Ele lembrou que, “há 20 ou 30 anos, os povos andinos tinham uma presença muito importante na política, como na experiência boliviana, equatoriana e peruana”, porém, hoje, o protagonismo é especialmente marcante entre povos amazônicos e comunidades do Pantanal, regiões severamente afetadas pelo avanço do desmatamento, da grilagem e das mudanças no regime das águas. Para o professor Mayta, “o Brasil está tendo uma centralidade gigante pelas políticas do governo, pelos novos espaços políticos que o país tem agora”.
Sobre os desafios históricos que dificultam o diálogo entre povos indígenas de países hispano-americanos e comunidades brasileiras, fatores linguísticos e geopolíticos contribuíram para afastamentos duradouros. “Os países hispano-americanos e o Brasil sempre tiveram muitas divisões por muitos motivos. O idioma talvez seja o principal deles. O olhar do Brasil para os vizinhos também historicamente não é grande; é muito europeizado, muito voltado aos Estados Unidos”, pontuou. No entanto, o prof. Mayta considera que esse quadro está mudando impulsionado pela urgência ambiental e pelas experiências políticas recentes em países como Bolívia e Equador, que incorporaram princípios plurinacionais em suas constituições. “Estamos tendo uma abertura para aprender com outras experiências indígenas. Bolívia e Equador estão se abrindo para dialogar e trocar saberes com os povos do Brasil, sobretudo diante da crise climática”, afirmou.
Para o pesquisador, encontros como o promovido pelo PPGSC são fundamentais para fortalecer alianças e ampliar redes de resistência. “Esse tipo de espaço é importante nesse caminho de dialogar sobre as experiências indígenas que temos para juntos lutar na defesa dos nossos territórios”, defendeu. Ele reforçou que a construção de políticas ambientais e sociais mais justas depende de reconhecer a legitimidade e a centralidade dos conhecimentos tradicionais, que historicamente foram marginalizados pelo paradigma científico eurocêntrico.
Ao final de sua fala, ele fez um apelo pela ampliação dessas trocas: “O Brasil tem que se abrir para conhecer outras lutas, outras experiências, outras resistências indígenas. Esse é um caminho de luta e defesa pela terra”.
- A Profa. Lucineide Barros conduziu o evento no programa de mestrado
Ao comentar a relevância da atividade para o programa, a Profa. Dra. Lucineide Barros destacou que o debate reflete o compromisso da disciplina com perspectivas pluriepistêmicas. “A atividade é um tópico da disciplina que eu, professor Robson, professor Alcebíades, ministramos do mestrado interdisciplinar do Programa em Sociedade e Cultura da UESP. Essa disciplina trata sobre pesquisa interdisciplinar e nós tentamos privilegiar as diversas epistemologias, dando ênfase para as chamadas epistemologias invisibilizadas ou às vezes subalternizadas, como é o caso dessas que estão relacionadas aos saberes e conhecimentos indígenas, quilombolas e de outras comunidades e também lugares geográficos que muitas vezes estão hierarquizados de modo negativo em relação à lógica tecnológica eurocêntrica, que tem sido predominante no modo de produzir, saber, conhecimento e ciência”.
A professora explicou ainda que a atividade também se articula com ações de internacionalização em andamento. “Eu participo de uma iniciativa que envolve a Universidade Estadual do Piauí e a Universidade Federal. A coordenação é da professora Socorro Arantes, da UFPI e é uma ação que integra o edital da CAPS, Abdias Nascimento. Essa ação pressupõe a internacionalização da ciência. E nós estamos realizando um intercâmbio Brasil-Bolívia, e nesse intercâmbio dois estudantes do programa aqui da UESPI, de Sociedade e Cultura, estiverem na Bolívia esse ano e tiveram contato com o professor convidado do nosso evento, que, no caso, está aqui conosco nessa atividade”.
Para a docente, “esse conjunto de coisas motivou a realização do evento, que foi muito importante em termos de questões suscitadas e também de possibilidade de novos diálogos envolvendo os dois países e estreitando os laços que a gente precisa cada vez mais qualificar com as experiências aqui na América Latina”.
Participação na banca de qualificação do mestrando Lucas Martins
Após o evento, o professor Dr. Roger Mayta também integrou a banca de qualificação do mestrando Lucas Martins, cuja pesquisa se debruça sobre o acesso à educação por famílias Warao que vivem em Teresina. A banca representou um momento importante de ampliação das reflexões sobre migração indígena e vulnerabilidade social no contexto urbano piauiense, articulando diretamente os debates levantados no evento com a realidade local estudada pelo pós-graduando.
- Pesquisador integra banca de qualificação na UESPI
A professora doutora Lucineide Barros da Silva destacou a relevância dessa participação dentro do projeto internacional que o PPGSC desenvolve em parceria com instituições latino-americanas, ressaltando que a presença do pesquisador boliviano na banca reforça tanto os objetivos do edital quanto o compromisso da universidade com uma formação crítica e voltada aos diálogos interculturais. Ela explicou que a banca não é apenas um procedimento avaliativo, mas parte estruturante do projeto de internacionalização que o programa vem fortalecendo:
“É muito importante a presença do professor, porque cumpre os objetivos desse projeto que nós integramos em parceria com a UFPE, do edital Abdias Nascimento, que trata sobre o desenvolvimento acadêmico. E, nesse contexto do desenvolvimento, é muito importante o processo de internacionalização da pesquisa, dos diálogos acadêmicos, que pressupõe compartilhamento das experiências, dos modos de produzir pesquisa, e nós damos ênfase a esse processo na América Latina. Então é muito importante que o professor, sendo da Bolívia, tendo recebido os nossos alunos lá no intercâmbio sanduíche, esteja também na banca de qualificação do Lucas”.
- Banca debate migração Warao e internacionalização
O trabalho de Lucas Martins examina de forma aprofundada os desafios enfrentados por famílias Warao que chegaram ao Piauí em decorrência de processos de migração forçada, trazendo à tona questões relacionadas à adaptação escolar, permanência nas redes de ensino e impacto das barreiras linguísticas e culturais no acesso aos direitos educacionais. A presença do professor Mayta na avaliação do trabalho permitiu tensionar essas questões a partir de uma perspectiva comparada entre experiências andinas e amazônicas, ampliando o escopo teórico e metodológico da discussão.
Para a coordenação da disciplina e para o programa, a participação do pesquisador internacional na banca simboliza o fortalecimento das redes de colaboração entre Brasil e Bolívia e reafirma o compromisso do PPGSC com uma abordagem interdisciplinar e intercultural. A avaliação de pesquisas que dialogam diretamente com realidades indígenas contemporâneas, como é o caso dos Warao em Teresina, reforça o interesse do programa em produzir conhecimento que ultrapasse fronteiras e contribua para compreender processos sociais complexos.



