A série Educação que Transforma traz hoje a história do egresso do curso de História, campus Poeta Torquato Neto, Eduardo Prazeres. Escritor dos livros: trilogia Crispim e a Sétima Virgem, Sárdirus – A Terra Lendária do Agreste, Balada Suburbana, Reflexos do Nada, Signo de Lótus e Quando o Instante Gruda e a ficção histórica UM DIA EM 1823.
A Assessoria de Comunicação da UESPI realizou uma entrevista com o escritor. Ele conta sua relação com a educação, ensino, literatura e como a sua graduação aflorou a sua paixão pela arte. Confira:
ASCOM: Se você pudesse descrever como a Educação mudou sua vida, como descreveria?
Minha relação com a educação, durante muito tempo, foi uma relação de puro desejo. Na minha infância, não fui colocado na escola regular, como a maioria das crianças vai. Tive algumas “passagens” sazonais pelo ambiente escolar, que duravam muito pouco, porque a minha família se mudava com bastante frequência e eu acabava perdendo o ano. Somente aos 12 anos de idade fui matriculado em definitivo na então 1° série, mas naquela época eu já sabia ler e escrever (o único da turma). Depois de concluir o ensino fundamental nos anos 90, precisei mais uma vez interromper meus estudos formais, e me tornei autodidata. Eu sentia falta da escola, sala de aula, professor, sempre adorei tudo isso. Mas, mesmo como autodidata, eu procurei me manter dentro de um processo educativo eficiente, sempre pesquisando por conta própria assuntos do meu interesse. Sem muito método, claro. Saía lendo tudo que encontrava sobre os temas de minha preferência ou que pudessem me ajudar, de alguma maneira. No entanto, ainda que o autodidatismo já não se justifique tanto na nossa época, quando o acesso à educação formal é bem mais democrático, posso afirmar com segurança que o simples fato de reconhecer a importância da educação na minha formação humana e profissional mudou
maravilhosamente a minha vida, no sentido de me dar um Norte, de me fornecer parâmetros de como alcançar meus objetivos através do conhecimento.
ASCOM: Eduardo, quando sua história se cruzou com a da UESPI?
É engraçado, porque, a minha história se cruzou com a da UESPI justamente quando eu já havia desistido. Havia desejado estudar e me formar por tantos anos, sempre enfrentando algum empecilho que me impossibilitava de fazer isso, que eu já havia chegado àquele ponto em que você é levado a acreditar que algo não é para você, que você não nasceu para aquilo. Mesmo sem formação acadêmica, eu tinha me tornado o que mais desejava ser na vida: um escritor. Então, eu me perguntava: “Me formar pra quê, a essa altura do campeonato?” Foi aí que eu conheci uma pessoa que me fez enxergar as
coisas diferente, quanto a isso. Em 2015 conheci Lya Forte, minha atual esposa. Ela já era formada em Pedagogia e estava cursando uma especialização na UESPI. Começamos a trabalhar juntos na divulgação e vendas do meu livro “Crispim e a Sétima Virgem”. Visitávamos dezenas de escolas, inclusive a própria UESPI. Fomos a duas Bienais do Livro no Rio de Janeiro. E as pessoas sempre perguntando no que eu era formado. Quando eu respondia que era autodidata, notava sempre o mesmo ar de decepção. Então, no final de 2017 Lya me lançou um desafio. Se eu topasse fazer o ENEM naquele ano, ela faria
junto comigo. E se nós passássemos, ela entraria comigo para mais uma graduação. No início achei loucura, mas me senti tão lisonjeado pelo que ela estava se propondo a fazer por mim, que topei o desafio. Eu tinha concluído o ensino médio havia algum tempo, na modalidade supletivo, estudando sozinho em casa, por meio de apostilas. Não me sentia muito preparado para concorrer com a meninada que estava saindo com tudo do 3° ano, totalmente atualizados. Mas fui à luta. E o resultado? Não deu outra: passamos os dois para o curso de História (risos). Entramos para a UESPI no segundo semestre de 2018. Trancamos o curso em 2020 e 2021, e nos reintegramos em 2022.
ASCOM: Ao buscar pelo seu nome na internet, encontramos como principal definição “apaixonado por literatura”. De onde vem essa paixão?
A literatura entrou na minha vida primeiramente através da oralidade. E as duas pessoas diretamente responsáveis por isso foram minha mãe e meu avô paterno. A experiência da literatura como leitura de texto só veio algum tempo depois. Meu avô Afonso ficou cego depois dos 70, por isso não saía mais de casa. Eu tinha entre cinco e seis anos, e meu avô passava tardes inteiras me contando histórias, todas elas extraordinárias, sempre recheadas de muita fantasia. Minha mãe ficou órfã aos cinco anos, foi posta para trabalhar ainda na infância e nunca foi alfabetizada. Mas quando o assunto eram histórias orais, ela tinha um repertório incrível. E ela gostava de me pôr para dormir sempre contando uma história. Ela sabia todas de um personagem popular chamado “João Preguiçoso”, que tinha um peixinho mágico, a “Rainha das Piabas”.
Essas histórias e personagens povoaram todo o meu imaginário de menino sonhador. Cresci com um potencial imaginativo superativado por causa deles. Depois, quando aprendi a ler (praticamente sozinho), li alguns clássicos infantis que fui conseguindo acessar (Os Três Porquinhos eram meus prediletos). Na sequência, vieram os quadrinhos, com as histórias do Fantasma e, pouco tempo depois, as narrativas nada infantis de A Espada Selvagem de Conan. Na adolescência, entrei para uma igreja evangélica, o que me levou a fazer uma enorme pilha com as minhas revistas do Conan, despejar álcool sobre elas e atear fogo (isso me dói até hoje), porque, na época, passei a enxergá-las como coisa do
diabo. Passei uns dois anos lendo apenas a Bíblia e livros sobre a doutrina da minha igreja. Mais tarde, quando deixei a igreja, veio o grande e definitivo mergulho na leitura de obras literárias, propriamente ditas. Como se vê, a paixão pela literatura vem de toda uma trajetória de vida ligada a ela. Primeiro, pela oralidade amorosa de uma mãe e um avô. Depois, pela experiência direta com os livros e a leitura de grandes obras e autores.
ASCOM: Dentro da sua graduação na UESPI, como você encontrou ferramentas
para se tornar um escritor, professor, historiador, autor?
A graduação no curso de História na UESPI tem contribuído de maneira muito relevante em todos esses aspectos do meu trabalho e, muito particularmente, para o meu ofício de escritor, no sentido de me fornecer todo o embasamento teórico e de conteúdos para uma série de ações que esse trabalho implica. Principalmente no que se refere ao meu projeto de produção de romances históricos. Bem antes de entrar para o curso eu já era escritor e tinha o propósito de escrever ficção histórica, mas eu sabia o quanto seria difícil enveredar por esse gênero de literatura sem o suporte de conhecimentos
específicos da área. Por isso, quando aceitei o desafio da Lya de fazer o ENEM em 2017, acabei contrariando a expectativa de muitos que me conheciam e acreditavam que eu escolheria o curso de Letras (risos), e entrei para o de História. No meu novo romance, por exemplo, me permiti gerar para mim mesmo a oportunidade de pôr em prática muito do que já aprendi no curso, até agora. O livro se chama Um Dia em 1823, e traz como pano de fundo a Batalha do Jenipapo. Portanto, apesar de trabalhar aspectos de outros gêneros, como a Fantasia, o Thriller e o Suspense, o livro é também um
romance histórico. E uma das ferramentas maravilhosas que o curso me proporcionou e eu utilizo neste romance, foi o conhecimento da Teoria da História, algo que eu desconhecia completamente antes de entrar para a Universidade. Isso me dá a segurança para dizer, por exemplo, que minha obra foi trabalhada na perspectiva da História vista de baixo, dando o protagonismo da narrativa não aos “grandes heróis” e seus “grandes feitos”, mas sim a personagens simples, até mesmo anônimos, relegados às margens das páginas da nossa historiografia oficial. No meu romance, eles é que são os grandes astros, eles é que vêm para o centro da cena.
ASCOM: Hoje, egresso da UESPI, como você define sua contribuição para a educação no Piauí?
Sem nenhuma intenção de autolouvor, posso dizer que minha contribuição agora é maior e melhor, porque nasce de ações pautadas num conjunto consistente de conhecimentos, o que faz de mim um escritor bem mais consciente quanto ao meu papel cidadão e à minha responsabilidade por tudo aquilo que eu transmito através das minha obras. Tenho a felicidade de contar com uma grande adesão do público jovem à minha literatura. Isso acaba também por me colocar face a face com o meu lado educador. Ao contrário do que se possa imaginar, o leitor jovem não é apenas influenciável, ele
também é crítico e muito exigente. Principalmente hoje, com tantas opções de entretenimento fora da literatura. Fidelizar um leitor jovem implica, acima de tudo, comunicar-se com ele, dialogar com seus anseios e suas dúvidas. E eu não estou falando necessariamente de produzir literatura infantojuvenil para poder exercer seu lado educador junto aos jovens. Minha literatura não é, a priori, infantojuvenil. Eu apenas consegui, de alguma maneira, uma conexão muito intensa com o público jovem. Talvez,
no mundo dito pós-moderno, o jovem seja afetado mais diretamente por inúmeras situações que o colocam no patamar de compreender organicamente questões complexas expressas em obras literárias, desde que os autores saibam fazer isso numa linguagem acessível a esse público. E este seria justamente um dos aspectos “educacionais” de toda obra literária. Sem nenhuma rigidez pedagógica, claro. Nos meus livros, estou frequentemente contemplando temas relevantes da cultura regional. Ouso acreditar que esta, sem dúvida, é uma valiosa contribuição no que se refere a questões identitárias, ao sentimento de pertencimento.