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Luta Racial: professor da UESPI debate sobre a importância da batalha contra a discriminação racial

Por Clara Monte 

A data de 21 de março é conhecida por ser o Dia Internacional da Luta Contra a Discriminação Racial e é um marco na batalha pelas conquistas de direitos sociais para a população negra. A Universidade Estadual do Piauí (UESPI) trabalha contra qualquer preconceito racial desde sua fundação.

Dados do Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), apontam a UESPI como a instituição de ensino com maior representatividade de negros e pardos no país.

A Assessoria de Comunicação da UESPI realizou uma entrevista com professor substituto do curso de pedagogia do campus Clóvis Moura, Alisson Emanuel. O docente trabalha com a temática racial e recentemente publicou seu livro “A temática racial em cursos de formação de psicólogos no Brasil: o caso do Piauí”.

Professor de Pedagogia, Alisson Emanuel

ASCOM: O que a data 21 de março (O dia internacional da luta contra a discriminação racial) representa para você?

Alisson Emanuel: Para mim, este dia representa um lembrete e um desafio. É uma data em que podemos rememorar do porque lutamos e contra que lutamos. A discriminação racial no Brasil e no mundo é um tema que precisa ser discutido amplamente e constantemente. Assim, através do diálogo, poderemos aprender mais sobre os outros e também sobre nós mesmos. Podemos ter a oportunidade de entender a mente e as motivações de quem discrimina e ao mesmo tempo pensar em formas de resistência de quem é vítima desse tipo de tratamento. É um desafio porque o ideal seria estender esse dialogo o ano todo, em todos os meses e sempre que possível. Uma vez que, apesar de ser uma data importante, não podemos deixar que este tipo de discussão se concentre apenas uma vez a cada ano, no Brasil o racismo a discriminação e o preconceito racial, operam e vitimam milhões de pessoas o dia todo, todos os dias do ano.

ASCOM: Você ja sofreu discriminação racial?

Alisson Emanuel: Eu acho que seria muito pouco provável que algum afrodescendente no Brasil já não tenha sofrido algum tipo de descriminação. Sim, já sofri e ainda sofro vez ou outra. Eu penso que a medida em que você adentra a algumas esferas da sociedade que não foram pensadas para serem ocupadas por pessoas como você, em alguns casos, a tendência é que este tipo de tratamento se torne mais evidente.

ASCOM: A UESPI possui 74% dos seus professores autodeclarados pretos ou pardos. Como você se sente com essa representação? 

Alisson Emanuel: Eu vejo com muito entusiasmo. Penso que isto seja uma consequência positiva da política de cotas raciais. Percebo o aumento de professores autodeclarados pardos ou pretos com um possível aumento de ações acadêmicas e discussões que promovam reflexões mais profundas acerca da temática racial. Os jovens e futuros profissionais terão cada vez mais contato com estas questões e levarão os aprendizados para suas respectivas áreas de atuação. O que me da a esperança de que, em algum tempo, este país pode evoluir no que tange as relações entre indivíduos considerados de “raças” diferentes.

ASCOM: O livro “A temática racial” é o seu primeiro livro? Por qual motivo escolheu esse tema?

Alisson Emanuel: Sim. É o meu primeiro livro. Atualmente estou trabalhando em um segundo livro. Sobre a escolha do tema, Me formei em psicologia em 2015 e ainda na minha situação profissional me deparei com casos onde as queixas se remetiam a situações onde o racismo, a discriminação e preconceito racial pareciam ser a gênese dos sintomas. O que me chamou atenção na época é que apesar de ter sido sempre um bom aluno. Não sabia o que fazer. Passei a refletir que não havia sido exposto ao tema durante minha formação acadêmica.
Na tentativa de me aproximar mais do tema, comecei a desenvolver um interesse cada vez mais profundo já que se tratava de uma realidade vivenciada por mim tanto na esfera profissional quanto pessoal. Logo surgiu o interesse de fazer um mestrado. Conversando com alguns professores, sobre o interesse em ingressar no mestrado cheguei ao grupo de pesquisa liderado pelo professor Dr. Francis Musa Boakari. O grupo de pesquisa Roda Griô foi muito importante nessa redescoberta. A partir daí iniciei meus estudos em meados de 2016. Em 2017 ingressei no mestrado em educação.

ASCOM: Qual o principal foco e objetivo do seu livro?

Alisson Emanuel: Apesar de se remeter a formação de psicólogos, eu diria que o foco principal do livro é produzir reflexões acerca de uma sociedade racista e da maneira como os profissionais vem sendo formados para atuar nesse contexto. Apesar de utilizarmos a formação de psicólogos como um dos vieses de argumentação e da pesquisa que originou o livro, constantemente, realizamos reflexões, citamos exemplos de situações de discriminação e preconceito que parecem ser comuns para muitos homens e mulheres afrodescendentes no Brasil. Temos um capítulo que trata exclusivamente das consequências psicológicas que podem surgir a partir de práticas de racismo. Ao entender como esse crime prejudica as pessoas, poderíamos olhar de maneira mais humana e ao mesmo tempo mais consciente para nossas práticas e relações sociais. Ao entender o livro por esse prisma, as ideias discutidas também podem ajudar a pensar no assunto (a temática racial) na formação de outros profissionais de outras áreas.

ASCOM: Qual a importância da Universidade promover discussões sobre o tema?

Alisson Emanuel: O racismo é um problema estrutural no Brasil. Isso significa que essa questão está impregnada no cerne da nossa sociedade. Sendo dessa maneira, esse crime atravessa todas as instituições sociais do país estando presente em praticamente todos os campos de atuação profissional do psicólogo (clínica, escola, organizações, hospitais, centros sociais, esporte, trânsito).

O Brasil possui uma situação bem peculiar em relação aos demais países que se utilizaram da escravização. Não apenas por ter sido um dos últimos países a “abolir a escravização”, mas pela maneira como a prática de racismo vem se transformando para seguir existindo e vitimando milhões de pessoas. O nosso país é um dos lugares com maior população de afrodescendente. No caso do estado do Piauí esse número chega a mais de 76% segundos dados do IBGE (2014).

O Psicólogo como profissional responsável pelo cuidado da saúde mental dos indivíduos de uma sociedade deve estar atento ao contexto sócio racial da sociedade uma vez que, durante muito tempo, a ciência psicológica contribuiu para o apoio de teorias racistas. Dessa maneira, como o profissional de psicologia poderia dispor de habilidades de manejo profissional diante de casos de racismo sem que antes tenha tido na sua preparação acadêmica formal, o contato com teorias e discussões que remetesse ao tema? Existe uma resolução (018/2002) do conselho Federal de Psicologia que data de 2002 que orienta aos profissionais a como se posicionar diante de casos de racismo. Mas sem essa formação nas universidades não poderiam seguir ou compreender tais orientações.